O que ele queria mesmo era fazer peças de teatro sobre peças de fruta.

3.9.09

Tentativa #2

Para escrever, dá-me a ideia, é preciso ter alguma ideia sobre alguma coisa, não me sente escrever este martelar, martelar é duro mas não é escrever, martelar é útil logo não é escrever, martelarei eternamente nunca tendo ideia nenhuma sobre nada, sou um deserto de ideias, digo melhor um deserto sem ideias, mas até penso, aliás penso bastante, já pensei mais mas continuo a pensar com alguma assiduidade, penso às vezes demasiado, não sou ultrapensador mas penso que penso demasiado, isto é, é demasiado o que penso porque no que ganho pensando perco no resto, sendo o resto quem sabe o mais importante porque o motivo porque penso, penso às vezes demasiado, dizia, mas nunca me ocorreu pensar com uma pena na mão e um papel na mesa, o que é uma pena, é realmente uma pena porque se pensar é demais não é demais escrever, mas publicar é outra estória, publicar pode ser crime

art.º 25º-B, n.º 1, CP
Publicar tolices dá cadeia

não sou um tigre azul nem escrevo com duas mãos
(procurava há anos por esta frase)
não sou um tigre azul nem escrevo com duas mãos quando o que quero dizer é que não há nada de especial em mim, reparem que dou um jeitinho à palavrinhas encaixadinhas algures entre a cozinha amarela e a praia, palavrinhas como cabulazinhas escondidinhas algures entre a epígrafe e a estatuição

art.º 25º-B, n.º 1, CP
imbecilidades (16º, 2), vacuidades (23º), disparates (24º), soberba (25º-A)
Publicar tolices dá cadeia

um jeitinho às palavras que é um capricho da forma, um primado da estética e um deserto de ideias. É uma pena, dizia, que não me ocorra pensar quando tenho uma pena na mão (como agora) e um papel na mesa (como agora, pois), ou de outra forma não me ocorra escrever quando estou a pensar, isto porque quando decido escrever já não estou a pensar, estou a desenroscar a tampa do tinteiro, já não estou a pensar, apenas a pensar que penso ou pensando que havia pouco pensara. De resto, ainda que com surpresa me achasse pensando e escrevendo ao mesmo tempo, dificilmente escreveria aquilo que pensaria. Com alguma sorte - e concentração?, nunca fui grande espingarda nesse particular, decorar regras de jogos, por exemplo, sempre se me revelou tarefa embaraçosamente complicada, sobretudo quando era ela que me as tentava explicar, sobretudo porque ela era bonita e tinha sinais no pescoço e eu distraía-me com isso, é muito mais divertido decorar os sinais do teu pescoço que as regras do teu jogo, nunca fui grande espingarda em concentração, de qualquer modo concentrar é afrouxar a latitude dos sentidos e descansar as palmas das mãos por uns minutos, é muito mais divertido decorar as regras do teu pescoço que os sinais do teu jogo - com alguma sorte (e concentração, então), dizia, escreveria não aquilo em que pensava mas sobre aquilo em que pensava. Mas aí entramos naquela história do coiso.
A história do coiso: a poesia é singularmente sedutora nesse aspecto, parece que é a forma mais imediata de fugir do coiso
(quando falo do coiso percebem-me?)
na poesia o coiso é menor, o coiso é mesmo pequenino. Explico-me a mim mesmo, desculpem-me se não tenho curso superior, o coiso: o espaço - o tempo? - entre o pensar e o escrever. Aliás, não é nada disso.
O coiso: o espaço e o tempo entre o sentir e o
Não não não
Não
É algo mais gutural,
experimenta:

agarra-te ao peito, isto é as garras no peito
as tuas garras no teu peito, cerra os dentes
range-os arrepia-te
abre os olhos
mais, um pouco mais
isso assim
sentes a bola feita de qualquer coisa a bola no peito
veio de baixo, agora na garganta
empurram-te também de cima, esmagam-te
amassam-te espremem-te a cabeça
a bola a sair do peito, podia sair da boca
a bola feita de luz e de merda
e de braços
abraça-te tu a ti mesmo com as garras
percebes que ainda não paraste de gritar
trazes as nuvens
o teu grito é o mais alto
o mais terrível o mais belo
cheio de luz e de merda e
vem de cima e de baixo e dos lados e
comprimido e é bola de tudo
a explodir, explodindo
len
ta
men
te
explosão lenta e surda
o olhos gritam não choram
és só peito, os braços aquecem-te o mundo
és só peito e choraste, não dos olhos, do peito
numa bola que sem querer mostraste
- ei-la
que é bola, já viste, de luz e de tudo
e Silêncio

o coiso. O coiso é também a coisa em si. E entre o coiso e o ser: o coiso deixa de ser (isto é, puf!), o coiso deixa de ser, e são só palavras, ou apertos de mão, ou erecções, ou sorrisos, ou murros no capô do carro. O coiso é também o espaço - o tempo? - em si mesmo entre o coiso e o ser.
Inevitavelmente (portanto deixemo-nos de merdas pessoas e pessoas e pessoas e pessoas e pessoas e pessoas e pessoas e pessoas e pessoas e pessoas e pessoas deixemo-nos de merdas) inevitavelmente o coiso não deixará jamais de não ser.

HOMEM (abotoando a braguilha) Fiquemo-nos pelos apalpões querida, tenho os olhos cansados.
(Na verdade HOMEM está sem tusa porque a casa cheira a sopa)
HOMEM (acendendo um cigarro) De qualquer modo estás de diarreia.
(QUERIDA sai de cena)

o coiso. Procuras o coiso em toda a parte, em toda a parte o coiso faz todo o sentido - aquele grito de olhos - em todo o lado: trompetes, masturbação, álbuns de casamento, legumes, necrofilia,
(Nota: penetrar uma ovelhinha bebé morta em público é tão propositadamente pervertido que nem chega a ser patológico. É necropedofilia bestiovoyeurista. E é má ideia.)
o coiso. Procuramos. Mas o que te fode,
como quem fode a pequena ovelhinha, é que
o grito de olhos estranhamente pérfidos felizes viscerais
o peito de luz
cascata anti-gravitacional, planetas, tigre azul
escrever com duas mãos, cascata
de merda e de ideias
(para escrever, dá-me a ideia, é preciso ter alguma ideia sobre alguma coisa)
a bola de braços
em ti (portanto
no Universo)
o Silêncio que não existe
- explode surdo -
mas o que te fode é que

o coiso

provavelmente só morrendo.

Provavelmente morremos.
Enquanto isso tenho de comer qualquer coisa, faz-se tarde e tenho onde estar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Speechless.

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