O que ele queria mesmo era fazer peças de teatro sobre peças de fruta.

31.10.08

De tanto abrir e fechar a janela

Entraram mosquitos
entraram
abelhas, mel e melgas

colaram
Nos teus lábios
de mel e abelhas
Mosquitos

24.10.08

A Justiça cantada às crianças

A Justiça contada às crianças

«7. Um "sentido de justiça" inato ou adquirido? Acontecimento e "Origem".

Há quem afirme existir no homem um sentimento inato de justiça, semelhante ao instinto no mundo animal. EHRENZWEIG vai ao ponto de dizer que a natureza foi suficientemente sábia para não confiar no intelecto do homem e por isso dotou este com o "sentido de justiça". Mas também há quem, pelo contrário, afirme que "não é o sentimento jurídico que cria o direito mas o direito que cria o sentimento jurídico" (Rudolf von IHERING). Para muitos autores, o sentimento de justiça tem uma origem histórico-empírica. Não é pois, um sentimento inato. Entretanto, muitos defensores do jusnaturalismo apoiam a tese da existência no homem de um sentimento inato de justiça.
Esta é a velha querela sobre o problema da génese, em tudo semelhante à mesma querela nos domínios da biologia, da psicologia, da sociologia e da linguística: àqueles que defendem o carácter decisivo dos factores endógenos opõem-se os que atribuem esse papel aos factores exógenos.»

Até aqui tudo jóia.

«(...) A questão é, pois, a de saber quais os pressupostos a priori e inquestionáveis de uma certa forma de vida (aquela que se "origina" na "comunidade comunicativa"), e já não a de saber se um desses pressupostos tem a sua génese em factores endógenos ou exógenos. Esta última questão tem a ver com a génese como acontecimento, ao passo que a primeira se não reporta a um acontecimento mas a uma "origem". Ora a "origem" - no sentido em que aqui usamos o termo - não tem nada de comum com uma génese-acontecimento; antes, opera como vórtice ordenador no devir dos acontecimentos e é operando, é na medida em que ordena acontecimentos dispersos e contingentes, que a origem é, ou se torna vigente. Não é, portanto, um acontecimento ou causa explicativa, antes se configura como princípio normativo que só tem vigência ou é - e até só pode vislumbrar-se - porque se cumpre numa ordem efectiva, mas que tem que ser pensado como anterior a essa ordem efectiva.» (numa segunda leitura de Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, J. Baptista Machado)

Pimba! Sentiram? "Valem penus studium sentit cerebrus inflatur", i.e. "vale a pena estudar se se sentir o cérebro inchar".
Imagino Baptista Machado a forrar o seu código civil com Kierkegaard, com medo que lhe berrassem injustamente na rua "ó jurista!", reduzindo-o ao fato e à gravata. O tipo foi um brinca-na-areia jurídico: e este é o mais sincero elogio que lhe posso dar.

22.10.08

Esqueçam o rough guide, o michelin ou o american express

e vejam Lisboa. O coração de ouro ao pescoço da holandesa é coisa para ter sido abafada por um sócio da Bica entre duas trincas naquela duchése.

17.10.08

O mocinho e o violão

Começaram por ser palavras sobre as tuas tatuagens,

Quero ficar no teu corpo
Feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem

chegaram a ser palavras sobre a alvorada de Frei Lourenço e a colheita de Maria Joana que mataria dois adolescentes obtusos e imbecis,

- É, isso é uma revelação incrível da pessoa. E você, que todas as suas letras no feminino são geniais, são impressionantes! Falam que é a anima da pessoa. É bonito, isso. Porque você revela um outro negócio teu, né?, que não é ego, que é do céu, e grande! Tu é lindíssimo. Suas mulheres, essas mulheres de dentro de você são... são lindas!

mas acabaram palavras sobre um sonho mais simples de elegância transparente:

- Lindo! Agora eu que quero cantar!



- Jóia!

Por tudo e por nada



16.10.08

A maturidade da ginginha

Ontem à tardinha, sob o escudo anti-míssil de lençóis desfraldados nos estendais das varandas, inexplicavelmente imunes ao água-vai! sem aviso da rua da Atalaia,
- Grande cadela, meu puto!
era devido que um rapaz de copo meio-vazio em punho se dirigisse com ensaiada sobriedade a grupinhos aparentemente coesos de raparigas e lançasse o seu cavalo de Tróia, cujos guerreiros gregos contavam histórias de flores que caminhavam e de asas de anjo esquecidas em casa. Ontem à tardinha, a breves minutos do ocaso torrado da rua da Rosa,
- Meu maricas!
era devido que uma rapariga de copo meio-cheio, a metade vazia a dar um tom arroxeado ao decote violeta, simulasse aos guerreiros gregos a repulsa de quatro minutos e meio que a livrava da fama de perdida.
Sofistas e filósofos chamavam o Gregório e o Gregório não aparecia. Ano do incêndio do Chiado? 1755. Cognome de D. Dinis? "O agricultor". A procura era elástica, a oferta semi-rígida, a mão invisível no bolso das calças e o ponto de equilíbrio no óptimo de Pareto: o mercado funcionava sem que fossem necessárias injecções de capital ou de soro. Desabituados à teoria das vantagens comparativas, ele e eu cantávamos como estes dois,



o seu copo meio-cheio, o meu meio-vazio,
- Meu maricas!
encontrando o equilíbrio num abraço que fugia para lá de um ano, ebriamente interessados nos sonhos dos outros (os sonhos dos outros sobriamente desinteressados de si próprios).
«Não sou ladrão, eu não sou bom de bola». Talvez esteja mais maduro, talvez apenas mais barbudo: no meu último rali das tascas não roubei nenhuma maçã.

13.10.08

Quase-blogue

«(...) José B. crescera e quase nada tinha mudado. O outro era amigo da família e vinha passar as tardes de sábado no jardim de casa dos seus pais. No escritório onde trabalhava tinha quase mais clientes do que os seus colegas, o que lhe chegava para arrendar um apartamento simpático com quase tantas assoalhadas como o do vizinho. Tinha quase os mesmos amigos que sempre tivera e que, como ele, quase se tinham esquecido das viagens que tinham feito. Ainda bebiam cerveja.
E Deus (em Quem, porque a sua mulher irresistivelmente lhe pedinchara, voltara a acreditar) dava-lhe ainda duas coisas tremendas. E essas duas coisas tremendas, tremendamente incompatíveis, eram o seu filho e uma guitarra eléctrica.» (in O advogado José B. que queria cantar como o Jeff Buckley, 3 de Junho de 2007)



Mais de um ano depois o quase-advogado é ainda um quase-quase: quase a desistir do curso, quase a acabá-lo com notas quase invejáveis; quase a tocar numa banda de baladas-roque, quase a partir a guitarra contra a parede. Quase o quase-advogado percebe que uma menina de olhos muito verdes e cabelos muito loiros que não lhe dê a ele muitos cabelos brancos não é menina para ele. Quase percebe que a única viagem que vale a pena fazer é só de ida - ou quase só de ida. Um ano depois o quase-advogado quase-quase descobre o que quase-quase quer dizer. E com quase os mesmos amigos que sempre tivera quase-quase percebe que vai sendo tarde demais para escrever peças de teatro sobre peças de fruta.
Quase-quase a terminar: o quase-blogue chama-se "o filho e a guitarra" mas esteve quase para se chamar "o filho e a guitarra eléctrica". Porque é que se chama "o filho e a guitarra" e não se chama "o filho e a guitarra eléctrica"? O quase-advogado não sabe. Pode ser que seja do fado que ouvia quando se lembrou do título, pode ser que seja da Grace acústica no seu colo enquanto a Satine eléctrica na cama. Pode ser que seja de ambas as coisas, pode ser que não seja nem de uma coisa nem de outra.
Isto é como o pudim, quer-se instantâneo, sem qualquer pretensão.
Quase instantâneo. Quase sem qualquer pretensão.

Bem-vindos, descalcem os sapatos, há cerveja no frigorífico!