O que ele queria mesmo era fazer peças de teatro sobre peças de fruta.

25.11.08

Pedi ao carteiro que me lesse em voz alta

Sabes o que é? É o nãoter percebide ainda quea em patia que sen timos
(vourecommeçar, não se escreve deitadona cama, o ombro apoiado na almmofada quando o que queriadizer era o coto velo apoiadonoutrosítio)
Sabes o que é? (sentei-me, ainda na cama, escreve-se melhor)
É o não ter percebido ainda se o que sentimos sou eu só que o sinto. Vamos, tu namoras, por namorar entendo fazer aquelas coisas que fazem os namorados quando juntos; namoras, o que é bom, o que há-de ser bom. Há-de ser algo, há-de SER. Não é nada disso: é só que não percebi (e é isso, sabes, o que é) se o que sentimos sou eu que o sinto só. Era outra coisa, era outra coisa! Era isto, ou qualquer coisa como que isto:
Que a estranha empatia não a sei, se a sinto só
se a empatia em mim só
existe
Não existe.
(la palice é com cê ou dois ésses?)
Esquece tudo, meu amor, acabei de acordar (a língua colada ao céu da boca, as ramelas, o cabelo como a maré-vaza), não estou para ninguém.
Gostava de tentar contigo, um dia
(era isto!)
na sala-de-estar que há-de ser a única divisão da minha casa (um sofá largo e fundo roubado ao camião do lixo, uma mesa redonda, um candeeiro de vidro fosco e uma janela; restos de ontem, colheres e canecas sujas, um maço e um livro e música na grafonola faz-de-conta), tentar contigo um dia
Olhar.
Eu sentava-me aqui, tu sentavas-te à minha frente. Acendíamos cigarros, se quiséssemos; a cafeteira haveria de estar sempre cheia e quente. Punhas-te confortável (descalça os sapatos, tlum! no tapete, ufa-tlum! no tapete e para fora; encolhe as pernas e abraça a almofada velha), eu punha-me confortável também, inventava uma posição que fingisse conhecer (é suposto conhecer o meu próprio sofá, que merda) e olhava-te, assim como tu me olhavas, tal como tínhamos combinado.
Esquecíamos a treta das almas gémeas e o que quer que tivéssemos decidido que devia ou não acontecer. O universo não é dever, é desordem porque é ser, e as almas gémeas são hormonas que se toleram. Tu e eu saberíamos disso - e não perceberíamos um chavo do seu significado. Como te disse:
Tu sentada, eu sentado, olhávamo-nos
(a janela fechada, deixa-a estar, esquece o fumo de cigarro que disfarças não te desnortear, acabará por suspirar e expirar num estalo POP! nos caracóis soltos do teu pescoço. Há dias em que me pareces carregar toneladas; dias em que, sem te tocar, me pesas nos braços)
e isso seria só. Olhávamo-nos, apenas. Não à espera da telepatia, não da palavra, do telefone ou telefonia; nem à espera do correio nem à espera do sorriso. Olhávamos um para o outro até não podermos mais. Até nos doer
(não o frio, não a fome)
existir. Como num jogo: ganhava quem assim conseguisse ficar mais tempo, perdia a quem doesse mais. E como adoras jogos, e como detestas perder,
- Ganhaste, dói-me a cabeça
e pulava para o teu sofá. Fechava os olhos e o corpo, os meus ombros já nas tuas pernas, as tuas mãos despenteando-me o coração. Sem chorar,
(sou lá algum maricas)
seriam lágrimas de fumo a inundar-te o colo.
Esquece a treta das almas gémeas: elas não existem. O que existe, estou certo, é mexeres-me no cabelo sem que te peça; é tremeres a ponta do cigarro porque te pareço menos grotesco assim de perto. Agora sopra o fumo e apaga a beata no muro do coreto
- Anda dançar, esta sabes
no muro do coreto porque não há casa nem restos de ontem. E o que existe, estou certo, é o sol já se ter posto e ainda o ver nas tuas mãos.
O que existe é o que sentimos
se não sei se o sinto só.

9 comentários:

titia disse...

mmmhhhhh!
é tudo isso. é também aquele sobressalto no peito. ou ainda a incapacidade total de comer seja o que for durante dias. ou a felicidade completa mesmo no meio de um engarrafamento ou de uma chuvada, peu importe. ou as viagens loucas para um destino que nunca mais chega. ou mesmo ainda a ideia que se faz antes, e depois, de tudo isto.

a 100 à hora ou a 0 à hora...

que bom ter-te lido outra vez!

à sombra da acrópole disse...

...peço ao carteiro que o envie outra vez... Porque o deserto é grande, mas às vezes a leitura ainda é um prazer.

Tigre Azul disse...

tás a ver: berhan clássico. Mais para a mesa quatro, sff. só tive dois ou três destes quando tiveste em erasmus.

Sofia Paixão disse...

Gosto quando me fazes sentir diferente depois de te ler. Já tinha saudades. Beijo grande

Unknown disse...

aaaaaaaaiiiiiii! aumentou a frequência cardíaca e depois desceu abruptamente! tipo sair de um duuche de àgua gelada e entrar num banho a escaldar!
Muito bom...

e disse...

Olá,

Descobri este blogue por mero acaso. E foi não este, foi o Pontos Negros. Andava a pesquisar no Google sobre os Pontos Negros- a banda musical de Queluz, cujas músicas têm circulado pelas rádios e pela televisão- quando encontro um blogue: www.pontosnegros.blogspot.com, que pensava eu, seria da banda.
Afinal não era, mas bisbilhotei-o e compreendi que era de uns estudantes de Direito ao ler o artigo sobre o famoso Método B, que o meu irmão mais novo, também estudante de Direito, tanto me fala. A partir desse blogue descubri o Estou Bem e, depois, o Filho e a Guitarra.
Bom, esta história toda (o meu poder de síntese sempre foi muito fraco) era só para dizer que gosto muito da forma como escreves e da criatividade que imprimes às tuas histórias.
Muitos parabéns pelo(s) teu(s) blogue(s), que vou, certamente, continuar a bisbilhotar.
Cumprimentos de uma coscuvilheira, que pede desculpa pela intrusão,
Especiosa Alves

M. disse...

ao menos isto. de volta noutro canto
gosto gosto gosto

Anónimo disse...

Queria dizer qualquer coisa sentida mas as horas de trabalho que já carrego não mo permitem... Deixo-te apenas um facto engraçado. Consta que uns portugueses descobriram uma maneira de as cartas serem faladas em vez de escritas... qualquer coisa relacionada com um papel espécie de Pen... Assim já não "incomodavas" o carteiro

She disse...

Gostei. Muito.
E acho que não há muito mais que possa dizer, visto que tu o dizes muito melhor. *

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